quarta-feira, 13 de julho de 2011

AÇÃO MONITÓRIA: algumas considerações

A ação monitória vem com a missão de facilitar o acesso do credor ao título executivo, mas sem descuidar-se da garantia de defesa do devedor, para manter o equilíbrio de justiça entre ambos e tornar legítima a ação estatal.

Francisco Fernandes de Araújo



Falar sobre a Ação Monitória é um desafio, embora a lei que a instituiu, Lei nº. 9.079, de 14 de julho de 1995, não seja tão nova, desperta interesse cada vez maior no cenário processual civil, seja pela tentativa de melhorar a Justiça e torná-la mais ágil e menos onerosa, seja pela aplicabilidade desse instituto enquanto procedimento simplificado, rápido e eficaz para a prestação jurisdicional de um direito, sendo oportunizada a ampla defesa.

A insatisfação pela demora das decisões judiciais impôs o surgimento de um procedimento mais célere, respondendo aos anseios de maior efetividade na distribuição de justiça. Daí o porquê do processo monitório, visto que mencionado instituto tem como principal escopo facilitar ao credor que possua documento escrito sem eficácia de título executivo, a oportunidade de satisfação de seu crédito de forma rápida, quase que de imediato, na hipótese de não haver embargos por parte do devedor, para que possa, então, de posse de título de crédito judicial, receber o que lhe é de direito, sem as complicações e as demoras do procedimento comum.

Inserida no Código de Processo Civil no Livro IV, Título I, Capítulo XV, a Ação Monitória está prevista em apenas três artigos (1.102a a 1.102c), mas o tema é extenso e merece destaque, sendo praticamente impossível esgotá-lo em um simples texto. Aliás, sem a pretensão de fazê-lo, a proposta aqui limita-se a buscar na doutrina e jurisprudência entendimentos a respeito da natureza jurídica do instituto, como procedimento intermediário entre o processo de cognição e o de execução.

Para se obter ao menos uma pálida noção da natureza jurídica da Ação Monitória, vale ressaltar a finalidade dos processos de conhecimento, de execução e cautelar, a seguir.

O processo de conhecimento (CPC, Livro I) tem a função de declarar, desconstituir ou condenar, mediante a dedução em juízo de uma pretensão resistida, como instrumento de uma ação de mesma natureza. O processo de execução (CPC, Livro II) tem por função satisfazer o credor, possuidor de um crédito consubstanciado por um título executivo (judicial ou extrajudicial). O processo cautelar (CPC, Livro III), em situação intermediária, provisória, tem por objetivo “assegurar a eficácia de um presente ou futuro processo de execução ou de conhecimento”.

Quanto ao processo monitório, como poderá ser classificada a sua natureza jurídica: conhecimento, execução ou cautelar? Ou é um quarto gênero?

Origem e evolução histórica

O Direito, ciência dinâmica que sistematiza os fatos, sempre acompanhou a evolução dos fenômenos sociais e suas transformações, e, em particular, no Direito Processual Civil tornou-se imprescindível à efetividade da tutela jurisdicional, visando acelerar a marcha procedimental e a neutralizar o lapso de tempo intercorrente entre o início do processo e a sentença, posto que o fator tempo seja elemento essencial para essa efetivação.

O procedimento monitório já era conhecido em outros países, como na Alemanha, Áustria, França, Uruguai, Espanha e primordialmente na Itália. Neste último, tem suas raízes no direito medieval, quando, visando a evitar a demora dos procedimentos ordinários, instituíram-se várias modalidades de procedimentos sumários, procedimentos esses em que reduzia o conhecimento do juiz. Isso ocorreu ante a recepção do direito germânico pelo romano.

Na Alemanha prevalecem duas espécies de processos sumários especiais, um denominado processo monitório puro e o outro documental. Quanto ao primeiro, o credor busca um título executivo em razão de um crédito que presumivelmente não será discutido, afirmando, unilateralmente e sem prova, o débito de uma soma em dinheiro ou a entrega de uma quantidade determinada de outras coisas fungíveis ou de valores. O segundo tem por fim propiciar ao autor, de modo mais rápido, título executivo, de modo que realiza-se prévio exame sumário dos títulos trazidos pelas partes, reservando-se estudo mais detido da questão para um procedimento posterior.

O processo monitório austríaco, híbrido entre o documental alemão e o monitório puro, visa criar com celeridade um título executivo mediante a inversão da iniciativa do contraditório, aproximando-se do documental, aplicando-se tão-somente a créditos fundados em prova escrita.

Na França, sob a influência do direito alemão e do direito italiano, introduziu-se o procedimento monitório, a princípio bastante limitada a sua aplicação somente a pequenos créditos e comerciais; após, estendeu-se aos créditos civis e suprimiu-se o limite de valor.

No Uruguai incorporou-se a estrutura monitória ao processo executivo, pois não se usa a técnica do procedimento monitório para formar o título executivo, mas sim para determinar se o executado tem exceções a opor, ou não.

Na Espanha não existe a figura do processo monitório, mas uma lei que autoriza aos advogados e procuradores a exigência de despesas da procura, dos honorários, ou seja, as chamadas juras de cuentas, declarações solenes de crédito, mas que, em rigor, não se trataria de ação monitória.

Na Itália a disciplina injuncional é híbrida. A estrutura procedimental desenvolve-se em duas fases: a primeira com o provimento exarado pelo juiz, inaudita altera parte, desenvolve-se a segunda, eventualmente com a oposição da impugnação. A prova escrita que deve instruir o pedido há de trazer consigo uma ampla e forte probabilidade da existência do crédito, possibilitando, ademais, uma rápida reconstrução de sua existência, ou, ao menos, de bastante probabilidade, tendo inspirado, sem sombra de dúvida, o direito pátrio.

O Brasil já tinha conhecimento do denominado procedimento decendiário, também conhecido como procedimento de Assinação de Dez Dias, de origem portuguesa, introduzido no Brasil por força das Ordenações Filipinas, o qual tinha por finalidade a exigência das obrigações de dar, dinheiro ou bens, baseado no título e não na obrigação, que consistia na citação do réu para, em dez dias, pagar, comprovar que pagou ou embargar, na audiência brevemente marcada. Mencionada ação não foi recepcionada pelo Código de Processo Civil de 1939 e nem pelo de 1973, reservando-se à parte tão-somente os demais procedimentos previstos no Diploma Processual.

Quanto aos nomes da ação e do processo, o legislador preferiu a denominação monitória em vez de injunção, como na Itália. Monitório vem do latim monere, que quer dizer advertir, lembrar, exortar, que significa aquilo que avisa. Assim, o procedimento monitório brasileiro, embora tenha semelhanças com o processo monitório italiano, difere em pontos essenciais, conforme vocação de cada país.

Em linhas gerais, a Ação Monitória veio preencher um vazio que existia no Direito Processual brasileiro, eis que visa assegurar ao credor que possua documento escrito sem eficácia de título executivo, a oportunidade de satisfação de seu crédito de forma rápida, quase que de imediato, na hipótese de não haver embargos por parte do devedor, para que possa, então, de posse de título de crédito judicial, receber o que lhe é de direito, sem as complicações e as demoras do procedimento comum.

Breves conclusões

1) a Ação Monitória é um procedimento intermediário entre o processo de conhecimento e o processo de execução, que antecipa os efeitos da execução, por ser um meio rápido e eficaz de o credor obter um título executivo, com base em prova escrita, sem descuidar da garantia de defesa ao devedor e desde que não haja embargos;

2) o mandado inicial de pagamento tem natureza citatória implícita, funciona como pedido de citação, possibilitando ao réu a ida a juízo para proceder à defesa;

3) os embargos monitórios têm caráter contestatório, atuam como defesa do réu, com o intuito de demonstrar a improcedência do pedido, inclusive são processados nos próprios autos;

4) não cabimento da reconvenção (pedido que, simultaneamente com a contestação, mas em peça separada, o réu formula em desfavor do autor), pois os embargos monitórios já funcionam como defesa em forma de ação, de natureza desconstitutiva;

5) é imprescindível o pagamento das custas iniciais da Ação monitória, mas os embargos monitórios independem de preparo;

6) se o réu não contestar a ação, ou seja, se o devedor não embargar, não se operam os efeitos da revelia, pois com o julgamento antecipado da lide, constitui-se de pleno direito o título executivo judicial, com a conversão do mandado inicial de pagamento em mandado de execução;

7) o princípio do contraditório instaura-se no momento em que o réu interpõe os embargos e sua falta constitui violação ao direito da parte;

8) o contraditório é uma faculdade atribuída ao réu, visto que ao ser citado para pagar ou entregar a coisa, poderá ou não opor embargos à monitória;

9) a apelação interposta da sentença que julga os embargos monitórios poderá ser recebida no duplo efeito, pois além de devolver a matéria ao tribunal para reexame da decisão recorrida, não é possível a execução provisória da sentença;

10) o benefício de isenção do pagamento de custas e honorários concedido ao réu, caso ele, após ser citado, cumpra o mandado inicial de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de 15 (quinze) dias, mesmo sendo integral, é injusto em relação ao autor da monitória;

11) a prova documental a ser exibida pelo autor na ação Monitória poderá ser qualquer prova desde que escrita pré-constituída, sem eficácia de título executivo, em seu favor, não valendo prova sonora ou visual;

12) em relação aos títulos que mais ensejam a monitória, destaca-se o cheque, tanto o prescrito quanto aquele em que falta algum requisito.

Explicando o Fluxograma Processual

A fim de melhor entender o instituto, segue um Fluxograma Processual da Ação Monitória, segundo o qual ao receber a petição inicial, o juiz examina se a mesma obedece os artigos 282 e 283 do CPC. A não observância pelo autor faz com que o juiz o mande emendar ou completar (prazo: 15 dias). O autor poderá se negar, silenciar ou simplesmente concordar.

Na primeira hipótese o autor poderá interpor Agravo de Instrumento (prazo: 5 dias).

Na segunda, ao silenciar, ou seja, na inércia, o processo será extinto, podendo o autor apelar (prazo: 15 dias). Nesse caso, havendo justo motivo, poderá o juiz reformar a decisão, em 48 horas.

Por último, se o autor concordar, ou seja, se atender ao determinado pelo juiz, será expedido mandado de citação para o devedor pagar ou entregar a coisa, em 15 dias.

Ao ser citado, se o réu cumprir o mandado tempestivamente será isento do pagamento das custas e dos honorários advocatícios, e os autos serão extintos.

No entanto, se ocorrer a inércia, o mandado inicial será convertido de pleno direito em mandado executivo e o réu será intimado, entenda-se citado, para cumprir a obrigação em 24 horas sob pena de nomear bens à penhora.

Porém, se o réu não concordar, poderá opor embargos monitórios (prazo: 15 dias), os quais são processados nos mesmos autos e independem de preparo.

Se os embargos forem acolhidos, o processo será extinto, mas o credor da Ação Monitória poderá apelar (prazo: 15 dias).

Se o acolhimento for parcial, poderá ser interposta apelação por ambas as partes, naquele mesmo prazo.

Contudo, em sendo os embargos rejeitados, o mandado inicial retomará a sua eficácia, convertendo-se de pleno direito em mandado executivo e o réu será intimado para a fase executiva, daí por diante prosseguir-se-á como na execução de título executivo judicial.

É de se notar, as conclusões aqui elencadas poderiam se estender muito mais, embora o propósito desse trabalho fosse bem mais específico, qual seja, buscar posições e entendimentos a respeito da natureza jurídica da Ação Monitória, além de abordar algumas questões doutrinárias divergentes, não muitas, sobre o instituto, descritas no resumo inicialmente apresentado.

A justificativa encontra-se fundamentada na busca de respostas para as dúvidas acerca desse importante e inteligente procedimento, cuja aplicação fortalece cada vez mais o Direito Processual Civil brasileiro, por ser um meio rápido e eficaz de resolver o litígio entre credor e devedor, desde que não haja embargos monitórios.

Por fim, como objetiva qualquer análise dessa espécie, não se pode pretender o esgotamento de um tema, porém demonstrar fatos que suscitam reflexão, sobretudo pela amplitude da seara jurídica, despertando em cada abordagem a ânsia de busca e elucidações.


Maria Auxiliadôra
Julho/2011
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Este resumo foi extraído da monografia  “AÇÃO MONITÓRIA: Conhecimento ou Execução?”  de minha autoria, por ocasião de defesa da tese no Curso de Pós Graduação em Direito Processual Civil na UNIDF, em Brasília/DF.