quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

UBER X MOTORISTA


TST afasta vínculo de emprego entre Uber e motorista

A 5ª turma do TST decidiu afastar o reconhecimento do vínculo de emprego entre um motorista de Guarulhos/SP e a Uber do Brasil. De acordo com o relator do processo, ministro Breno Medeiros, ficou caracterizado que o motorista tinha a possibilidade de ficar offline, com flexibilidade na prestação de serviços e nos horários de trabalho.

Na reclamação trabalhista, o motorista disse que havia trabalhado por quase um ano com o aplicativo, entre julho de 2015 e junho de 2016. Sua pretensão era o registro do contrato na carteira de trabalho e o recebimento das parcelas decorrentes da relação de emprego.

O juízo de 1º grau negou o reconhecimento do vínculo, mas o TRT da 2ª região concluiu que estavam presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego do artigo 3º da CLT (habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação).

Economia compartilhada

No recurso de revista, a Uber sustentou que não atua como empresa de transporte, mas de exploração de plataforma tecnológica, em que os motoristas atuam como parceiros, numa economia compartilhada. Argumentou, ainda, que o motorista, ao contratar os serviços de intermediação digital, concordou com os termos e condições propostas e que a relação mantida com todos os motoristas parceiros é uniforme.

Na avaliação da 5ª turma, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista que a autonomia do motorista no desempenho das atividades descaracteriza a subordinação.

"A ampla flexibilidade do trabalhador em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender por dia é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação."

Outro ponto considerado pelo relator, ministro Breno Medeiros, é que, entre os termos e condições relacionados aos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. Segundo o ministro, esse percentual é superior ao que o TST vem admitindo como bastante para a caracterização da relação de parceria entre os envolvidos. "O rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego", assinalou.

Revolução tecnológica

De acordo com o relator, o caso é inédito no TST, pois até então a matéria só tramitava nos Tribunais Regionais. Ele destacou ainda que as relações de trabalho têm sofrido intensas modificações com a revolução tecnológica e que cabe à Justiça do Trabalho permanecer atenta à preservação dos princípios que norteiam a relação de emprego, desde que presentes todos os seus elementos.

Na sessão de julgamento, o presidente da 5ª turma, ministro Douglas Alencar, afirmou que não é possível tentar enquadrar essa nova realidade de emprego nos conceitos clássicos de empregado e empregador previstos nos artigos 2 e 3 da CLT. No entanto, a seu ver, isso não significa que esses trabalhadores não devam merecer algum tipo de proteção social. "É preciso que haja uma inovação legislativa urgente", concluiu.

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença.




ESTELIONATO AFETIVO



Condenado por estelionato sentimental, homem terá que pagar dívidas e indenização por dano moral à ex

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJMT) – 05/02/2020

A 4ª Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – TJMT condenou um homem a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma mulher, além de ressarci-la pelo prejuízo causado após a prática de estelionato sentimental. O réu fez empréstimos, compras de um notebook e em lojas de grife e pegou cheques em branco da namorada, que teve que arcar com as dívidas depois do término do relacionamento.

O desembargador Guiomar Teodoro Borges, relator do caso, evidenciou que o ilícito civil foi comprovado. O apelado é reincidente em tal conduta, tendo, inclusive, medidas protetivas reclamadas por outras mulheres.

O relator deu conta, ainda, da violência psicológica praticada pelo réu, que enganou a autora para ganhar sua confiança. Ela propiciou ao homem recursos financeiros que extrapolaram suas próprias condições financeiras, mas sempre na expectativa de ter os valores restituídos. Por conta das dívidas, o nome da vítima foi enviado às instituições de proteção ao crédito.

Decisão respeita a dignidade da pessoa humana

Para a advogada Juliana Giachin Pincegher, presidente da seção Mato Grosso do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão é “justa e contemporânea à dinâmica das relações interpessoais e seus reflexos no mundo jurídico”.

“O estelionato afetivo se configura a partir de relações de caráter emocional e amoroso, cuja definição tem origem no artigo 171 do Código Penal, que define o estelionato propriamente dito quando uma das partes tem a intenção de ‘obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento’”, explica Juliana.

Além disso, segundo ela, a sentença apresenta um olhar humanizado para o trato das relações na esfera judicial. “O julgador, ao proferir uma decisão como a que se apresenta, evidencia sensibilidade com princípios constitucionais, especialmente da dignidade da pessoa humana, igualdade e isonomia.”

Ela confia que trata-se de uma tendência no Judiciário, sem possibilidade de retrocessos. “A evolução doutrinária alinhada com a contemporaneidade das relações e seus reflexos nos atos da vida civil ditam a tendência de um olhar sensível frente a essa temática, objeto de reflexão e ponderação na subjetividade de cada caso.”

“Penso que decisões como esta são, ao final e ao cabo, veículo condutor da efetividade da lei e seus princípios. É tirar da letra fria da lei o sumo da justiça e aplicar no caso concreto. De nada adiantaria contar com proteção normativa que, de um lado tipifica condutas causadoras de dano, passíveis de indenização, e, de outro, negar a tutela postulada”, observa Juliana.

Afeto tem papel fundamental nos casos de estelionato sentimental

A advogada opina que a Justiça considera o afeto desenvolvido pelas vítimas em casos como os de estelionato sentimental. “É por meio desse sentimento que as relações interpessoais se desenvolvem e irradiam seus efeitos para atos da vida civil e, bem por isso, a doutrina moderna do Direito de Família confere à afetividade status de princípio.”

Ela cita a vice-presidente do IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias, que define a afetividade como “um princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

“Com esse entendimento, frente a um litígio em que o afeto seja o protagonista da celeuma, como é o caso do estelionato sentimental, é de se ver a importância em ponderar os sentimentos da pessoa que, de boa-fé, entrou em determinado relacionamento amoroso mas, enganada, acaba como vítima de violência emocional e patrimonial”, avalia Juliana.

Ela ressalta que o estabelecimento de uma relação afetiva faz parte do modus operandi dos estelionatários sentimentais. “Enquanto a vítima acredita estar numa relação de afeto e, por confiar que aquele sentimento é recíproco e verdadeiro, se dispõe a ajudar financeiramente, emprestar dinheiro, realizar compras, contrair empréstimo etc, na certeza de que será reembolsada. O reembolso nunca virá.”

“O socorro ao Judiciário é a única alternativa que remanesce à vítima na tentativa de amenizar os prejuízos. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão da posição de vulnerabilidade da vítima. Se é por meio do afeto que foi possível a aproximação e aplicação do golpe, conclui-se, sem dificuldade, que será o ‘termômetro’ do direito a ser tutelado nessa espécie de conflito”, observa a advogada.

Casos são acompanhados de preconceito, constrangimento e desinformação

Ela avalia que o crime costuma passar ao largo da Justiça, já que as vítimas esbarram em uma série de barreiras e constrangimentos ao fazer a denúncia. “Não é fácil para a vítima ter coragem de procurar uma delegacia de polícia, abrir sua intimidade e detalhar como foi enganada por seu companheiro ou namorado, que, como no caso específico, lhe ocasionou diversos prejuízos financeiros e patrimoniais.”

De acordo com Juliana, o silêncio das vítimas é uma das razões de o Judiciário ter recorrência ainda muito tímida no enfrentamento da questão. Homens e mulheres são vítimas de estelionato sentimental, mas o preconceito, a vergonha e a ignorância acerca da possibilidade de indenização atuam como freio na busca por reparação civil.

“A vítima, na maior parte das vezes, prefere suportar o prejuízo material a ter que se socorrer de uma ação indenizatória. Quando pode, busca a terapia para tratar os danos psicológicos decorrentes do trauma. A vergonha é, em alguma medida, acompanhada de culpa pelo ocorrido”, acredita a advogada.

Além disso, a reparação dos danos materiais necessita de comprovação de repasse dos bens ou valores monetários. “Para que seja ressarcida, a vítima precisa contratar um advogado e, mais uma vez, reunir as provas de que foi levada a erro, enganada sob o manto do afeto, para postular em juízo as indenizações devidas”, atenta Juliana.

Segundo ela, a decisão do TJMT traz ainda um relevante aspecto social, já que ainda há muito preconceito e desinformação sobre o que é estelionato emocional. “Muitas pessoas sofrem esse tipo de agressão e não sabem que apesar das condutas criminosas dos agentes, podem postular a devida reparação por meio de demanda judicial reparatória.”

“Na medida que os fatos são levados a apreciação do poder judiciário, como consequência, o leque de informação se abre. Decisões como essa, sensibilizam as pessoas. De modo geral, pode-se extrair efeito positivo na medida em que a veiculação nos canais de comunicação possibilita que outras vítimas tenham conhecimento e noção de que podem ser vítimas de golpe. Por outro lado, é assegurado o direito à reparação pelos prejuízos sofridos”, assinala Juliana.