Condenado por estelionato sentimental, homem terá
que pagar dívidas e indenização por dano moral à ex
Fonte:
Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJMT) – 05/02/2020
A 4ª
Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – TJMT condenou
um homem a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma mulher, além de ressarci-la
pelo prejuízo causado após a prática de estelionato sentimental. O réu fez
empréstimos, compras de um notebook e em lojas de grife e pegou cheques em
branco da namorada, que teve que arcar com as dívidas depois do término do
relacionamento.
O
desembargador Guiomar Teodoro Borges, relator do caso, evidenciou que o ilícito
civil foi comprovado. O apelado é reincidente em tal conduta, tendo, inclusive,
medidas protetivas reclamadas por outras mulheres.
O relator
deu conta, ainda, da violência psicológica praticada pelo réu, que enganou a
autora para ganhar sua confiança. Ela propiciou ao homem recursos financeiros
que extrapolaram suas próprias condições financeiras, mas sempre na expectativa
de ter os valores restituídos. Por conta das dívidas, o nome da vítima foi
enviado às instituições de proteção ao crédito.
Decisão
respeita a dignidade da pessoa humana
Para a
advogada Juliana Giachin Pincegher, presidente da seção Mato Grosso do
Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão é “justa e
contemporânea à dinâmica das relações interpessoais e seus reflexos no mundo
jurídico”.
“O
estelionato afetivo se configura a partir de relações de caráter emocional e
amoroso, cuja definição tem origem no artigo 171 do Código Penal, que define o
estelionato propriamente dito quando uma das partes tem a intenção de ‘obter,
para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou qualquer meio
fraudulento’”, explica Juliana.
Além
disso, segundo ela, a sentença apresenta um olhar humanizado para o trato das
relações na esfera judicial. “O julgador, ao proferir uma decisão como a que se
apresenta, evidencia sensibilidade com princípios constitucionais,
especialmente da dignidade da pessoa humana, igualdade e isonomia.”
Ela
confia que trata-se de uma tendência no Judiciário, sem possibilidade de
retrocessos. “A evolução doutrinária alinhada com a contemporaneidade das
relações e seus reflexos nos atos da vida civil ditam a tendência de um olhar
sensível frente a essa temática, objeto de reflexão e ponderação na
subjetividade de cada caso.”
“Penso
que decisões como esta são, ao final e ao cabo, veículo condutor da efetividade
da lei e seus princípios. É tirar da letra fria da lei o sumo da justiça e
aplicar no caso concreto. De nada adiantaria contar com proteção normativa que,
de um lado tipifica condutas causadoras de dano, passíveis de indenização, e,
de outro, negar a tutela postulada”, observa Juliana.
Afeto tem
papel fundamental nos casos de estelionato sentimental
A
advogada opina que a Justiça considera o afeto desenvolvido pelas vítimas em
casos como os de estelionato sentimental. “É por meio desse sentimento que as
relações interpessoais se desenvolvem e irradiam seus efeitos para atos da vida
civil e, bem por isso, a doutrina moderna do Direito de Família confere à
afetividade status de princípio.”
Ela cita
a vice-presidente do IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias, que define a
afetividade como “um princípio que fundamenta o Direito de Família na
estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em
face de considerações de caráter patrimonial ou biológico”.
“Com esse
entendimento, frente a um litígio em que o afeto seja o protagonista da
celeuma, como é o caso do estelionato sentimental, é de se ver a importância em
ponderar os sentimentos da pessoa que, de boa-fé, entrou em determinado
relacionamento amoroso mas, enganada, acaba como vítima de violência emocional
e patrimonial”, avalia Juliana.
Ela
ressalta que o estabelecimento de uma relação afetiva faz parte do modus
operandi dos estelionatários sentimentais. “Enquanto a vítima acredita estar
numa relação de afeto e, por confiar que aquele sentimento é recíproco e
verdadeiro, se dispõe a ajudar financeiramente, emprestar dinheiro, realizar
compras, contrair empréstimo etc, na certeza de que será reembolsada. O
reembolso nunca virá.”
“O
socorro ao Judiciário é a única alternativa que remanesce à vítima na tentativa
de amenizar os prejuízos. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão da
posição de vulnerabilidade da vítima. Se é por meio do afeto que foi possível a
aproximação e aplicação do golpe, conclui-se, sem dificuldade, que será o
‘termômetro’ do direito a ser tutelado nessa espécie de conflito”, observa a
advogada.
Casos são
acompanhados de preconceito, constrangimento e desinformação
Ela
avalia que o crime costuma passar ao largo da Justiça, já que as vítimas
esbarram em uma série de barreiras e constrangimentos ao fazer a denúncia. “Não
é fácil para a vítima ter coragem de procurar uma delegacia de polícia, abrir
sua intimidade e detalhar como foi enganada por seu companheiro ou namorado,
que, como no caso específico, lhe ocasionou diversos prejuízos financeiros e
patrimoniais.”
De acordo
com Juliana, o silêncio das vítimas é uma das razões de o Judiciário ter
recorrência ainda muito tímida no enfrentamento da questão. Homens e mulheres
são vítimas de estelionato sentimental, mas o preconceito, a vergonha e a
ignorância acerca da possibilidade de indenização atuam como freio na busca por
reparação civil.
“A
vítima, na maior parte das vezes, prefere suportar o prejuízo material a ter
que se socorrer de uma ação indenizatória. Quando pode, busca a terapia para
tratar os danos psicológicos decorrentes do trauma. A vergonha é, em alguma
medida, acompanhada de culpa pelo ocorrido”, acredita a advogada.
Além
disso, a reparação dos danos materiais necessita de comprovação de repasse dos
bens ou valores monetários. “Para que seja ressarcida, a vítima precisa
contratar um advogado e, mais uma vez, reunir as provas de que foi levada a
erro, enganada sob o manto do afeto, para postular em juízo as indenizações
devidas”, atenta Juliana.
Segundo
ela, a decisão do TJMT traz ainda um relevante aspecto social, já que ainda há
muito preconceito e desinformação sobre o que é estelionato emocional. “Muitas
pessoas sofrem esse tipo de agressão e não sabem que apesar das condutas
criminosas dos agentes, podem postular a devida reparação por meio de demanda
judicial reparatória.”
“Na
medida que os fatos são levados a apreciação do poder judiciário, como
consequência, o leque de informação se abre. Decisões como essa, sensibilizam
as pessoas. De modo geral, pode-se extrair efeito positivo na medida em que a
veiculação nos canais de comunicação possibilita que outras vítimas tenham
conhecimento e noção de que podem ser vítimas de golpe. Por outro lado, é
assegurado o direito à reparação pelos prejuízos sofridos”, assinala Juliana.